segunda-feira, novembro 24

Ciclo

Foi uma brisa. Veio quente, quase que como um mormaço.
Foi envolvendo aos poucos, como se fosse dona de tudo. Espessa, forte e tranqüila.
Cegou os sentidos. Fez os poros transpirarem e os olhos lacrimejarem.
Foi única.
E quando tudo parecia eterno, ela foi esfriando, rachando os lábios, devorando os cabelos.
Manteve-se mais fria.
Foi rachando a pele, paralisando os olhos. Fez com que virassem vidros. Dois globos cristalinos com o brilho congelado. A menina dos olhos sentiu medo e fugiu. Quebraram-se os dois, esfacelados em cacos opacos.
A pele virou gelo, e se desprendeu. Outros cacos para se misturarem. Tão finos e leves levados por ela, a brisa, que se foi em uma nuvem comprida, com um rastro único.
Todo gelo derrete. Evapora. Vai até o alto e volta.

É assim que deve ser.

segunda-feira, novembro 17

Um Samba pra Daqui a Pouco

Eu fiz um samba pra ele
Não era animado nem melado
Era um samba assim
Meio de lado
Meio de canto.
Era um samba boêmio, com um refrão careta.

Eu cantei um samba, toda sem graça
Sem repique, sem cascata.
Todo diferente
Com uma letra, imponente.
Uma melodia persistente.

Eu gravei um samba pra esse moço.
Meio bossa, meio reggae.
Meio meu.
Meio dele.
E vi que todo mundo cantava.

Eu fiz um samba, pra cantar sozinha na praça.
Pra sentir o choro solitário.
Pra lembrar do cheiro da nuca
Que eu sentia enquanto dançava.

Eu fiz um samba
Com uma melodia mutável.
Com um acorde perdido.
Pra cantar bem baixinho.

Eu aviso quando eu voltar
Pra ter certeza
De que não vou deixar um samba assim
Tão cheio de sentimento
Morrer enfim.