sexta-feira, outubro 6

Click!

Eu continuei encostado onde estava sem nem prestar atenção nas mil vozes que ecoavam de todas as vias, do outro lado da rua a “muvuca” era crescente. De um lado haviam policiais montados em cavalos fortes que mostravam evidências de que se não estivessem com rédeas provavelmente já teriam arqueado suas patas. Tinham os olhos vermelhos. Os opositores, contra-atacavam com pedras e pedaços de madeira gritando justiça. As mulheres com vestidos delicados e algumas com crianças de colo esperavam aflitas dentro das confeitarias. Olhos vermelhos dos homens com pedra na mão.
Comecei a descrever a cena, com cautela para não perder nenhum detalhe. Tirei uma foto de um homem com a cabeça ensangüentada, que acreditei ser o líder daquele majestoso combate. Peguei um cigarro. Segui até a esquina, dei bom dia a uns jornalistas que apreciavam o circo pegando fogo e entrei na redação do jornal. Forneci meu material e sai com dinheiro no bolso e satisfeito. Voltei à rua. Caminhando, abaixei depressa para não ser acertado por uma madeira que passou como uma lança por cima da minha cabeça, desviei de um homem com a cabeça ensangüentada, o mesmo que eu havia fotografado, e dobrei o quarteirão. Quando constatei que os ruídos haviam diminuindo pude finalmente assobiar as músicas que tanto gosto. Parei no café e cumprimentei alguns conhecidos de vista com um aceno e uma piscadela de olho cordial e aproveitei também para flertar com uma moça que estava sentada na bancada da frente. Paguei-lhe um café. Caminhamos até o “muquifo” que a mocinha morava e aproveitei para analisar suas fotografias que estavam sob um móvel muito antigo de madeira rústica e empoeirada.
- Este é meu pai! Está trabalhando neste horário na fábrica e demorará a chegar.– disse ela com uma voz doce e convidativa, mas por enquanto eu só aceitaria um café. Procurei conter um sorriso depois de ver a foto e constatar que o homem da fotografia era o mesmo com a cabeça ensangüentado que eu tinha fotografado e desviado andando pela rua antes daquele encontro tão agradável. Senti o cheiro de rosas que saia de sua pele e fui constatar a maciez da mesma. Foi tudo muito rápido e antes mesmo de me adaptar á situação eu já estava vestindo a roupa. Ela perguntou se eu já partiria e eu sorri, coloquei o chapéu e sai.
Na manhã seguinte o pai da moça era capa do jornal – “Anarquista morre em banho de sangue depois de reivindicação do fechamento da fábrica deixando filha desamparada e com riscos de cair na vida mal falada” – Amigos sorriam de longe e diziam, o quão bom tinha sido o meu furo de reportagem. Eu, com um sorriso maroto, respondi que as minhas fontes eram cultivadas como rosas. Acendi um cigarro e caminhei calmamente com a sensação de que eu tinha nas mãos o poder de dizer, escrever e fotografar o mundo como eu bem quisesse.

Paula Barboni.

4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa...
Que cara mal...
rs...

Beijos e te amo...

Monique K disse...

tem algo a ver com o filme ?
beijoca

Anônimo disse...

oiii!!!
Puxa..que cruel...do mal...

é isso...beijo..Mãe...

Anônimo disse...

Tirando o "assobiar" (assoviar), eu fiquei comemorando desde o começo até o final. E quando chegou no final eu aplaudi. Tudo tão rápido. Mas isso aconteceu em época antiga, pelo que eu entendi, tem uns palavriados contemporâneos, mas, é um dos melhores textos que você já escreveu, perde para o palhaço triste, é lógico, aquele que você me deixou de fora... rs