quarta-feira, abril 30

Foco

Ela, 23 anos, morena de cabelos longos, magra de calça jeans e mini-blusa verde, sai do prédio em que mora.

O FOTOGRAFO, 26 anos, moreno, alto, usa óculos, está sentado do outro lado da rua no banco de uma pequena pracinha, e anima-se ao vê-la sair.Ele posiciona a câmera nas mãos e acompanha o trajeto dela com a lente.

Ela passa pela banca de jornal. Avista o velho Sr João, como sempre sorridente e perguntando se levaria uma revista. Ela apenas nega com a cabeça, mas sem perder o sorriso de gratidão.Sr. João retribui.

Do outro lado da praça, sentado em um banco bonito, branco e desconfortável, como em todas as manhãs está o Fotografo.

Nunca a perde de seu foco, Nunca deixa de decorar seus passos e nunca esquece do seu perfume, o mesmo que ele nunca sentiu. Sabe todas as sua manias, inclusive a forma como mexe nos cabelos e brinca com as mãos enquanto caminha distraída, curiosa, assim como uma criança impressionada com o mundo. Ele só não conhece a sua voz – Deve ser doce, suave, aveludada como só poderia ser – Ele pensa e sussurra baixinho “Bom dia!”

Mas as fotos. Quantas pode-se imaginar, sendo elas de todos os ângulos, formas, cores e modos. A paisagem perfeita, a fotografia perfeita. Eram as suas obras de artes, expostas só para si, com tanto amor e ternura, que nenhum artista, por mais que quisesse poderia traduzir. Ele sempre a olhava, de longe, rubro e com o coração palpitante. No pico da emoção, limitava-se a acender um cigarro, que nunca era tragado por inteiro, logo distraia-se com a sua inspiração, que caminhava tranqüilamente pela praça.

Ela continuava andando, olhava tudo, conversava gentilmente com todos. A praça que sempre freqüentava era movimentada, típica de cidade do interior, e como era época de férias todos saiam para tomar um ar fresco, conversar, apreciar o dia, etc.

Ela pára na frente de uma loja de CD’s e fica olhando a vitrine.

Ele observa pelas lentes da câmera curioso para saber qual seria o cd da vez. Qual seria o tema musical do dia? Ele tinha absoluta certeza que o gosto da moça era requintado, parecia uma apreciadora de cultura, mesmo que ninguem lhe contasse ou ele tivesse certeza, assim mesmo ele tinha.

Logo em frente, havia uma carrocinha de sorvetes, de variados sabores. Ela sempre parava ali depois de olhar o que queria. Era a ultima parada antes de voltar para casa. O sabor sempre o mesmo: Chocolate.

O FOTOGRAFO continuava com a maquinas nas mãos sentado no banquinho da praça. Tentava tomar coragem para um dia convidá-la a tomar um sorvete. Mas esse pensamento lhe percorria pela mente a muito tempo, e a coragem nunca era muito presente, chegava a sentir as mãos frias só de pensar. E como se fosse uma necessidade sussurrava para si mesmo mais uma vez - “Todo dia ela faz tudo sempre igual...”

E assim passavam os dias, uns ensolarados, outros mais chuvosos, mas o “namorico” ali permanecia, fiel, intacto...

Até que em um dia qualquer Ela muda o trajeto, não estaria certo quebrar a rotina. Isso trazia angustia ao Fotografo, que parecia sentir-se perdido.

Ela caminha e pára na carrocinha de sorvete. Pede duas casquinhas do mesmo sabor. Se dirige até a faixa de pedestres e atravessa na direção do rapaz.

O FOTOGRAFO fica desesperado e joga a maquina no meio das plantas da pracinha - E se ela quiser tirar satisfações? Eu posso dizer que a amo todos os dias? Devolvo as fotos? Tomo o sorvete? Viro e vou embora? Viro e vou embora? Vou embora? - Ele pega a máquina e vai embora sem nem olhar para trás.

Ela chega no banco da pracinha com as duas casquinhas na mão e fica olhando para os lados com um ar confuso.

No dia seguinte o banco da praça estava vazio. O dia cinza.

Nesse dia Ela não tomou sorvete.

Mais um dia, o banco vazio. Ela não tomou sorvete.

Terceiro dia. Ela não tomou sorvete...

Uma semana depois, ela caminha pensativa, não ouve aos bom dias de sempre, parece até um pouco triste. Acaba por render-se ao sorvete, mas compra de outro sabor: Creme. Continua caminhando e atravessa a rua em direção ao “banco de praça do Fotografo”. Senta-se e observa o tempo passar.

No mesmo instante, em sua casa, o FOTOGRAFO está sentado no chão dentro do seu estúdio de fotografia. Existem vários varais com as fotos da “ELA” em preto em branco. E mais uma vez ele sussurra “Tive medo de revelar o amor...”


Paula Campos Barboni, Junho de 2007.

Inspirado na obra “Tangerine Girl” Por Rachel de Queiroz

quarta-feira, abril 23

O Espetáculo Não Pode Parar

Uma, duas, três luzes. Cada uma de uma cor e movimentos variados. Uma cortina de movimentos sincronizados e ensaiados, um perfeito balé de tecidos tocando ligeiramente o chão.
De longe se via um aceno. Que calor e conforto. Que delírio.
De pés descalços, alcança-se além do sentimento, como se seu corpo fosse um violino de afinação perfeita.
A menina, outrora tímida, chora e ri em descompasso sem culpas e vergonha.
Espalha-se como se fosse o todo e eleva-se até que alcance uma essência tão perfeita, que aos poucos torna-se nada diante de quem vê.
Não existem regras, caminhos ou diálogos perfeitos. O riso, torna-se arte, assim como o choro e os sons imperceptíveis que não eram combinados.
A vida tornou-se fácil, cheia de autos e baixos, mas que ao todo, ainda sente-se o conforto de se conhecer o final antes de tudo se esvair. O que atrai uma ponta de ansiedade.
E como uma criança, ela espera sentada, de pernas cruzadas que todos se vão. Lembra-se de como é mágico estar ali. Imagina-se o centro e o complemento, mesmo não sabendo exatamente que é o seu próximo.
Muitos a agradecem, dizendo como é especial tê-la diante de seus olhos.
As luzes se apagam. O alivio mistura-se com vazio.
As cortinas se fecham.

Foi assim que eu senti o teatro pela primeira, deixando que o mesmo me sentisse com mesma intensidade.O palco é uma troca - Você empresta seu corpo e a arte lhe devolve com a alma.

segunda-feira, abril 14

"Contra-Fluxo"

A VIDA CANSA POR VÁRIOS ASPÉCTOS:

A guerra constante por espaço
Cansaço por tentar agradar demais.
Medo por agradar de menos.
Manias de querer amar de mais.
Agonia de acabar sozinho.

A vida cansa quando você acha que tudo nunca foi o que achava ser.
E medo por não sustentar tudo que é.

As pessoas cansam porque tem sempre pedras a atirar,
E mãos de menos a estender.

É cansativo se aceitar como é,
E sem motivo se perder o que sempre foi.

É muito triste se achar sempre menos.
E arriscado se considerar o melhor.

cansaço por acreditar demais,
e solitário por crer de menos.

Causam traumas o orgulho em excesso,
causam saudades e despreendimento.

Não importam os motivos do mundo,
você sempre tem medo da certeza de não ser feliz sozinho.


Moral da história - Não aguento mais ser sempre os alvo dos mesmos motivos. Não fui eu que fabriquei a falta de compreensão do próximo...

quinta-feira, abril 3

Ela se Chama Susy!

Ela era a mais quietinha no canto da gaiola. Eu tinha por volta de 5 anos mais ou menos. Vi os cinco filhotes e uma mãe desnaturada, que machucava a própria cria pra ganhar um dono. Não pensei duas vezes, queria a de patinhas brancas abanando freneticamente o rabo. Por algum motivo meus pais escolheram uma de olhinhos brilhantes, que apanhava dos irmãos e tinha patinhas de cor marrom. No começo reclamei, mas logo em seguida já tinha me apaixonado pela criaturinha minúscula, aliás, tão minúscula que vira e mexe a perdíamos pela casa.
Ficamos a tarde toda debatendo um nome - Como é difícil dar um nome a um bichinho de estimação. Eu encarava isso com tremenda concentração. Tinha de ser um nome que combinasse com ela, que fosse gracioso, feminino e que soasse bem aos ouvidos. Tinha que ser um nome que falasse totalmente por ela, afinal, ela nunca falaria, era uma cadelinha.
Depois de tantos nomes sugeridos, um restou na lista, era Suzy. Curto, simples, feminino e engraçadinho, foi nessa conclusão que todos nós chegamos. A pequena cadelinha, que mais se parecia com um ratinho, se chamaria Suzy. E não qualquer “Suzy”. Preste atenção na escrita - Com “Z” e “Y”! Capricho meu, frescurinha para a minha mais nova amiga.
E que amiga. Me acompanhou em cada momento. Cada nova retomada, cada problema, cada partida... E lá estava ela, quando muitos já não estavam, sempre me olhando nos olhos. O amor mais sincero que se pode sentir.
Amor que era demonstrada até nos sapatos comidos, nas canetas desaparecidas, dos latidos agudos, da teimosia de subir na cama, etc.
Nunca obedecia, praticamente uma porta de tão surda. E surda ficou realmente nos últimos anos.

E hoje, sem perceber, eu coloquei ração na sua tigela.
Ainda não me acostumei com o silêncio quando o caminhão de lixo passa. Nem quando alguém dá aqueles gritos no portão, pra irritar a gente mesmo.
Não assimilei a idéia ainda de que não preciso mais mandar a senhorita descer do sofá, nem que é preciso ver se ainda tem água na vasilha. Nunca imaginei que sentiria tantas saudades.
Você passa 18 anos com aquela coisinha que você pegou tão miúda no colo e não entende porque foi tão rápido.

O mais saudoso é que um dia, não sei bem quando, vão me perguntar?
- você já teve cachorro?
E eu vou sorrir... Pra contar tudo isso de novo.