O FOTOGRAFO, 26 anos, moreno, alto, usa óculos, está sentado do outro lado da rua no banco de uma pequena pracinha, e anima-se ao vê-la sair.Ele posiciona a câmera nas mãos e acompanha o trajeto dela com a lente.
Ela passa pela banca de jornal. Avista o velho Sr João, como sempre sorridente e perguntando se levaria uma revista. Ela apenas nega com a cabeça, mas sem perder o sorriso de gratidão.Sr. João retribui.
Do outro lado da praça, sentado em um banco bonito, branco e desconfortável, como em todas as manhãs está o Fotografo.
Nunca a perde de seu foco, Nunca deixa de decorar seus passos e nunca esquece do seu perfume, o mesmo que ele nunca sentiu. Sabe todas as sua manias, inclusive a forma como mexe nos cabelos e brinca com as mãos enquanto caminha distraída, curiosa, assim como uma criança impressionada com o mundo. Ele só não conhece a sua voz – Deve ser doce, suave, aveludada como só poderia ser – Ele pensa e sussurra baixinho “Bom dia!”
Mas as fotos. Quantas pode-se imaginar, sendo elas de todos os ângulos, formas, cores e modos. A paisagem perfeita, a fotografia perfeita. Eram as suas obras de artes, expostas só para si, com tanto amor e ternura, que nenhum artista, por mais que quisesse poderia traduzir. Ele sempre a olhava, de longe, rubro e com o coração palpitante. No pico da emoção, limitava-se a acender um cigarro, que nunca era tragado por inteiro, logo distraia-se com a sua inspiração, que caminhava tranqüilamente pela praça.
Ela continuava andando, olhava tudo, conversava gentilmente com todos. A praça que sempre freqüentava era movimentada, típica de cidade do interior, e como era época de férias todos saiam para tomar um ar fresco, conversar, apreciar o dia, etc.
Ela pára na frente de uma loja de CD’s e fica olhando a vitrine.
Ele observa pelas lentes da câmera curioso para saber qual seria o cd da vez. Qual seria o tema musical do dia? Ele tinha absoluta certeza que o gosto da moça era requintado, parecia uma apreciadora de cultura, mesmo que ninguem lhe contasse ou ele tivesse certeza, assim mesmo ele tinha.
Logo em frente, havia uma carrocinha de sorvetes, de variados sabores. Ela sempre parava ali depois de olhar o que queria. Era a ultima parada antes de voltar para casa. O sabor sempre o mesmo: Chocolate.
O FOTOGRAFO continuava com a maquinas nas mãos sentado no banquinho da praça. Tentava tomar coragem para um dia convidá-la a tomar um sorvete. Mas esse pensamento lhe percorria pela mente a muito tempo, e a coragem nunca era muito presente, chegava a sentir as mãos frias só de pensar. E como se fosse uma necessidade sussurrava para si mesmo mais uma vez - “Todo dia ela faz tudo sempre igual...”
E assim passavam os dias, uns ensolarados, outros mais chuvosos, mas o “namorico” ali permanecia, fiel, intacto...
Até que em um dia qualquer Ela muda o trajeto, não estaria certo quebrar a rotina. Isso trazia angustia ao Fotografo, que parecia sentir-se perdido.
Ela caminha e pára na carrocinha de sorvete. Pede duas casquinhas do mesmo sabor. Se dirige até a faixa de pedestres e atravessa na direção do rapaz.
O FOTOGRAFO fica desesperado e joga a maquina no meio das plantas da pracinha - E se ela quiser tirar satisfações? Eu posso dizer que a amo todos os dias? Devolvo as fotos? Tomo o sorvete? Viro e vou embora? Viro e vou embora? Vou embora? - Ele pega a máquina e vai embora sem nem olhar para trás.
Ela chega no banco da pracinha com as duas casquinhas na mão e fica olhando para os lados com um ar confuso.
No dia seguinte o banco da praça estava vazio. O dia cinza.
Nesse dia Ela não tomou sorvete.
Mais um dia, o banco vazio. Ela não tomou sorvete.
Terceiro dia. Ela não tomou sorvete...
Uma semana depois, ela caminha pensativa, não ouve aos bom dias de sempre, parece até um pouco triste. Acaba por render-se ao sorvete, mas compra de outro sabor: Creme. Continua caminhando e atravessa a rua em direção ao “banco de praça do Fotografo”. Senta-se e observa o tempo passar.
No mesmo instante, em sua casa, o FOTOGRAFO está sentado no chão dentro do seu estúdio de fotografia. Existem vários varais com as fotos da “ELA” em preto em branco. E mais uma vez ele sussurra “Tive medo de revelar o amor...”
Paula Campos Barboni, Junho de 2007.
Inspirado na obra “Tangerine Girl” Por Rachel de Queiroz