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Comecei a descrever a cena, com cautela para não perder nenhum detalhe. Tirei uma foto de um homem com a cabeça ensangüentada, que acreditei ser o líder daquele majestoso combate. Peguei um cigarro. Segui até a esquina, dei bom dia a uns jornalistas que apreciavam o circo pegando fogo e entrei na redação do jornal. Forneci meu material e sai com dinheiro no bolso e satisfeito. Voltei à rua. Caminhando, abaixei depressa para não ser acertado por uma madeira que passou como uma lança por cima da minha cabeça, desviei de um homem com a cabeça ensangüentada, o mesmo que eu havia fotografado, e dobrei o quarteirão. Quando constatei que os ruídos haviam diminuindo pude finalmente assobiar as músicas que tanto gosto. Parei no café e cumprimentei alguns conhecidos de vista com um aceno e uma piscadela de olho cordial e aproveitei também para flertar com uma moça que estava sentada na bancada da frente. Paguei-lhe um café. Caminhamos até o “muquifo” que a mocinha morava e aproveitei para analisar suas fotografias que estavam sob um móvel muito antigo de madeira rústica e empoeirada.
- Este é meu pai! Está trabalhando neste horário na fábrica e demorará a chegar.– disse ela com uma voz doce e convidativa, mas por enquanto eu só aceitaria um café. Procurei conter um sorriso depois de ver a foto e constatar que o homem da fotografia era o mesmo com a cabeça ensangüentado que eu tinha fotografado e desviado andando pela rua antes daquele encontro tão agradável. Senti o cheiro de rosas que saia de sua pele e fui constatar a maciez da mesma. Foi tudo muito rápido e antes mesmo de me adaptar á situação eu já estava vestindo a roupa. Ela perguntou se eu já partiria e eu sorri, coloquei o chapéu e sai.
Na manhã seguinte o pai da moça era capa do jornal – “Anarquista morre em banho de sangue depois de reivindicação do fechamento da fábrica deixando filha desamparada e com riscos de cair na vida mal falada” – Amigos sorriam de longe e diziam, o quão bom tinha sido o meu furo de reportagem. Eu, com um sorriso maroto, respondi que as minhas fontes eram cultivadas como rosas. Acendi um cigarro e caminhei calmamente com a sensação de que eu tinha nas mãos o poder de dizer, escrever e fotografar o mundo como eu bem quisesse.
Paula Barboni.
4 comentários:
Nossa...
Que cara mal...
rs...
Beijos e te amo...
tem algo a ver com o filme ?
beijoca
oiii!!!
Puxa..que cruel...do mal...
é isso...beijo..Mãe...
Tirando o "assobiar" (assoviar), eu fiquei comemorando desde o começo até o final. E quando chegou no final eu aplaudi. Tudo tão rápido. Mas isso aconteceu em época antiga, pelo que eu entendi, tem uns palavriados contemporâneos, mas, é um dos melhores textos que você já escreveu, perde para o palhaço triste, é lógico, aquele que você me deixou de fora... rs
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