quinta-feira, dezembro 13

Eu Quero Ser o Tempo


Eu queria traçar a vida como o tempo, mas ao mesmo tempo queria ser dona dele. Queria escrever a história em alguns casos em pause, mas cumprir metas em segundos. Queria que andassem no meu ritmo. Eu queria ser o tempo. Queria praguejar o compasso do meu “tic-tac” e ser referência nos encontros surpresas. Queria ser mais do que um objeto, queria ser uma pulseira de marcar tempo, e ao mesmo tempo sentir-me luxuosa, simples, bonita. Acima de tudo útil. Se eu fosse o tempo daria mais de mim ao sol, e quando me sentisse cansada daria mais de mim a noite. Seria uma inimiga da pressa nos dias de amor e uma amiga da velocidade dos dias de trabalho árduo. Seria mais simpática em relação ao clima e daria motivos para esperar mais para que a cerveja do copo esquentasse. Seria amiga do clima, teria um acordo, seria prática.
Quando me tornasse tempo faria meu compasso ser mais lento quando me sentisse mais e mais apaixonada, e quando visse a alegria de uma brincadeira de criança sentaria e esperaria com muito calma. O que me faltaria enquanto tempo, seria a pressa em casos que algo me fizesse feliz.
A única coisa, que jamais faria era voltar ao passado. Meu tempo seria bem articulado. Voltar traria saudades, e como “tempo” eu não traria nada de volta, apenas estaria onde parei.Eu seria o tempo. Poderia cumprir com a vida da forma mais doce, saborear em toques leves e calmos os mais nobres prazeres. Faria do gozo a sensação mais quente do ano e como troca, o mundo sentiria a cumplicidade de qualquer amor em qualquer ato, em qualquer momento. Eu seria o tempo que sempre parte, mas no ritmo que permitisse mais felicidade.

segunda-feira, dezembro 10

Diamante.

Os óculos refletiam a entrada da sala principal. Ela entra e se senta. Não é necessário dizer bom dia. O mais vistoso do homem que estava em posição poderosa do outro lado da mesa era seu anel. Seus dedos dedilhavam. Ela simplesmente estralava os dedos por debaixo da mesa.
Ele diz em tom quase imperceptível – trouxe? Vai quitar a divida velhota?
Não é preciso que se diga mais nada. Com fúria nos olhos ela lhe entrega o dinheiro em notas de 50. Simplesmente três maços. Ele sorri. Ela nunca marcou os traços do seu rosto. Um sorriso e anel de diamantes bastavam.
Ele faz sinal para que ela saísse. O dinheiro era tudo que ela teve em sua vida repleta de uma esperança indefinida. Não queria perder uma economia cultivada dentro do bule de café durante anos para aquele “anel”. Ela caminha até porta e ainda de costas só consegue dizer com toda convicção. – Agiota de merda!
Nunca tinha matado. Nunca tinha atirado. Nunca tinha gritado.
Aquele dia Matou. Roubou, fugiu e tropeçou no próprio orgulho.
No dia seguinte as notas dos jornais eram enfáticas – “Mulher sem piedade mata deputado e deixa família inconsolável” - O depoimento da viúva e de amigos demonstrava a “boa conduta” do deputado.
A mulher sentada em sua sala. Com uma tevê de 14 polegadas e segurando o cabo de sua antena nas mãos para que a imagem não ficasse destorcendo, acompanhou o jornal sentindo-se apenas uma secundária na história que ela mesma fizera acontecer. Na sua casa de dois cômodos, sem geladeira, fogão, sofá e luxo, sentiu-se mais acuada do que nunca. Seus vizinhos da Favela da Paz ficariam surpresos em saber que tudo que ela cultivara em anos de uma vida miserável em nome do filho que a abandonara, havia se transformado no sangue de uma das pessoas mais sujas que já conhecera. Hoje ele era a vitima. A mulher passara por esta mesma situação desde sua eleição. A morte nunca justificaria meios. Obviamente. Mas a vida, essa sim é cheia de informações equivocadas.
Quanto à sua condenação ouviu o delegado murmurar – Não passa de uma velha!
Não foi presa. Não é comentário de mídia. Não tem mais economias. Mas mantém como um filho sua tevê de 14 polegadas e aguarda com ansiedade a retrospectiva de final de ano da Globo pra saber se alguém fala de sua façanha. Mas sabemos que não...