sexta-feira, setembro 22

Desce? Até onde?

Fiquei em torno de cinco minutos diante do espelho com a esperança de perder uns quilos aqui, outros ali, e depois fiquei mais uns três minutos analisado a minha careta de descontentamento. Lá estava o senhor Jorge Ben Jor e seu ritmo extremamente calmante, como trilha sonora preenchendo todo o ambiente bagunçado e sem começo nem fim do quarto. Pra falar a verdade deveriam ter cerca de dez cds melhores para eu ouvir, mas a dias eu só ouvia Ben Jor, e nem sei bem por que.
Resolvi que ficar diante do espelho ensebado não ia modificar em nada a minha majestosa tarde de domingo, e resolvi fazer algo a mais no meu dia caminhando até a cozinha somente de meias. Joguei os cabelos pra frente e depois para traz e fiz um rabo de cavalo que provavelmente não seguraria aquele ninho embaraçado alojado na minha cabeça, mas pelo menos eu teria os meus olhos livres para enxergar o caminho. Ajeitei a bermuda que estava torta juntamente com a calcinha e fui arrastando os pés até o fogão, como uma nordestina que dança forró super bem.
Não me surpreendi com a limpeza da cozinha, que alias era o único cômodo extremamente brilhante da casa, de forma que havia dias que eu não o visitava. Pensava comigo – Detesto cozinha, eu deveria colocar a geladeira no quarto! – e eu teria realmente feito isso se não fosse o apelo dos amigos que às vezes vinham me visitar alegando que o meu único exercício estava no deslocamento quarto-cozinha.
Mas eu não me importava, estava desanimada de qualquer forma, e me esquecia desse detalhe, tanto que a janela da sala estava escancarada havia dias e por conta disso eu acabara de descobrir que havia adquirido um gato. Alias o gato havia ganho o meu respeito, pois eu o fitava com um ponto de interrogação do tamanho da cara, afinal eu morava no 9º andar e o bichinho resolveu pular justamente a minha janela o que lhe rendeu o nome de Asadelta.
Mais cinco minutos na cozinha e a constatação de uma geladeira e armários vazios. Na época de casada isso jamais aconteceria, e pra falar a verdade nunca aconteceu. Mas como o desgraçado fugiu com a vizinha do noventa e oito, provavelmente isso agora não acontece na geladeira e armários dela. Vaca! Gostava de me dirigir a ela dessa forma pra amenizar a vontade de socar a parede, porque o risco de ter os dedos e os punhos quebrados eram enormes já que nem socar eu sabia direito. Ok. Eu preciso calçar um tênis que e colocar uma roupa não rasgada e me dirigir ao mercado, ou morreria de fome, o que não me deixaria tão desesperada, pelo menos magra eu estaria. Descobri meus tênis debaixo da mesa de centro da sala, uma calça mais bem apresentável pendurada na porta do quarto e uma blusa que por mais incrível que pareça na gaveta de meias. Tentei fazer uma postura diante do espelho e segui em direção á porta sem respirar muito pra não perder a pose que eu tinha acabado de visualizar. Conversei como gato dizendo que voltava logo e sai trancando o meu apartamento que a dias era o único mundo que eu estava habituada. Será que o mercado fica no mesmo lugar?
O elevador me parece mais uma ligação com o inferno do que nunca, e sempre odiei elevadores porque eu sempre encontrava alguém extremamente idiota ou simplesmente eles lotavam, ou ainda pior, eles sempre paravam. Mal eu penso em todas as possibilidades que me levam a odiar essa maldita caixa de subir e descer me entra uma mulher com um cabelo mais parecido com um repolho do que necessariamente um cabelo mesmo. Estou no oitavo andar ainda e nos faltam mais sete o que torna o meu mau humor sete vezes mais evidente, e ele só teve motivos pra se elevar cada vez mais quando no quarto andar ela resolve me perguntar se eu sou nova no prédio.
- Não! Moro aqui a cinco anos já!
- Que coisa nunca a vi zanzando pelo prédio.
- Eu não gosto de zanzar...
Ela ia dizer mais alguma coisa, mas eu sai do elevador muito antes mesmo de a porta praticamente abrir.
Constatei que o Sol realmente estava quente e eu tinha pego uma blusa preta de linha. Respira forte, porque você vai num pé e volto no outro e aqui é só um maldito mundo que você não vê a dias. Cheguei no mercado parecendo uma louca suada de tanto calor. Agora era questão de tempo, simplesmente comprar o necessário e voltar pra casa, pro espelho e pro gato. Fui colocando tudo muito depressa no carrinho, e se pudesse atropelava aquele bando de comadres que faziam dos corredores do mercado um ponto de encontro e de lazer. Passei por todas aquelas loucas e dobrei o corredor indo direto à sessão de alimentos para cães e gatos, afinal o Asadelta também precisava comer. Fui caminhando e lendo as embalagens quando senti um tranco.
- Céus! Eu matei um homem! – Foi o único pensamento que eu tive ao me certificar que havia um coitado debaixo do meu carrinho de compras. Era só o que me faltava. Eu atropelei um idiota mais distraído que eu com um carrinho de compras! Eu poderia tê-lo ajudado a levantar se eu não estive tão pasma com aquele incidente estúpido. – O senhor está bem?
Abaixei perto do rosto dele para ver se ainda respirava, e acabei dessa forma encontrando o sabor de ração preferido do Asadelta, agora eu poderia ficar ali e esperar aquele estúpido distraído acordar ou simplesmente pegar aquele pacote de comida para gato e sair o mais rápido de lá. Não precisei pensar muito nessa questão, pois o rapaz acordou na mesma hora e me olhou de uma forma tão indignada que eu achei que era o momento mais propicio para por em prática o meu lado educado. Soltei um “me desculpe” meio gago que eu achei que não sairia. O homem levantou-se sem soltar um único ruído, apanhou suas compras, ou o que sobrou delas e me olhou bem dentro dos olhos – ele me odiava sem duvidas! – ele saiu apressado, e quando me deu as costas reparei que ele era um rapaz tão de mal com a vida do que eu. Ele usava uma blusa de linhas azul e carregava um pacote de ração nos braços. - Ah! Que inferno! O que estamos fazendo com as nossas vidas? – Bem, vendo aquele traste parecido comigo me deu vontade de fazer uma pequena loucurinha e sai correndo atrás dele.
- Amigo! Ta errado! Olha, eu sei como é esse negocio de alimentar o gato e reclamar na frente do espelho, faço isso todo dia!
Ok! Acho que ele sair bufando sem me responder é um sinal de que eu não tenho nada a ver com isso. E realmente eu não tenho! Caixa lotado. Acho que tudo que gera fila torna os simples mortais mais felizes.
Consegui chegar em casa logo, e acho que três vezes mais magra de tanto transpirar com aquela roupa estranha. O Asadelta permanecia no mesmo lugar, até parecia um gato empalhado. Voltei a ficar de meias e bermuda e passei na frente do espelho. Lembrei daquele rapaz com cara de assassino psicótico. Lembrei que o Sol, por mais que queimasse fazia bem. Infelizmente o mundo lá fora gira enquanto eu permaneço aqui dentro, e isso é possível mesmo porque não só eu estou envelhecendo como o gato está também. Será que eu estaria condenada a ficar o resto da vida envelhecendo com um gato maluco que conseguiu invadir a minha vida?
Depois de muito pensar, decidi que segunda feira eu tomaria uma providencia, por enquanto eu vou ficar aqui aproveitando meus últimos dias ociosos. Sem pressa...

2 comentários:

Anônimo disse...

Bom. Escrito em primeira pessoa projetando o cotidiano de alguém que está esquecendo de viver. Legal, só espero que eu não fique assim.

Anônimo disse...

OIIIIIIII!!!!!
ADOREI...DEI RISADA EN VARIOS MOMENTOS...E ME DEI CONTA Q ESTAVA RINDO DE MIM MESMA.EU JÁ VI ME SENTINDO ASSIM (QUEM JÁ NÃO SENTIU)O DESANIMO,TRISTESA,SOLIDÃO...
O DIFICIL É SAIR DISSO....TALVEZ A FÓRMULA SEJA O Q VC FEZ...PROUCURAR VER ISSO TUDO COM HUMOR E RIR DE SI MESMO...

BJO